Andava tropicando pela rua, o olhar baixo, fixo no bico do tênis, nas ranhuras da calçada. Bitucas de cigarro, papel de bala, merda de cachorro. Seu mundo ficava alguns centímetros abaixo da linha do horizonte. Não raro esbarrava em alguém ou em alguma coisa. Como aquela vez que deu com a testa num poste. O impacto foi suficiente para lhe tirar algumas gotas de sangue, mas não o bastante para derrubá-lo. Ficou ali, a testa grudada no concreto, os braços largados ao longo do corpo. Foram dezoito minutos e quarenta e dois segundos cravados na mesma posição. Mais um recorde. Depois que ganhou relógio com cronômetro, pegou essa mania de dar valor e medida ao tempo. Menino estranho.
segunda-feira, 31 de março de 2008
microcrises : mais um recorde
Andava tropicando pela rua, o olhar baixo, fixo no bico do tênis, nas ranhuras da calçada. Bitucas de cigarro, papel de bala, merda de cachorro. Seu mundo ficava alguns centímetros abaixo da linha do horizonte. Não raro esbarrava em alguém ou em alguma coisa. Como aquela vez que deu com a testa num poste. O impacto foi suficiente para lhe tirar algumas gotas de sangue, mas não o bastante para derrubá-lo. Ficou ali, a testa grudada no concreto, os braços largados ao longo do corpo. Foram dezoito minutos e quarenta e dois segundos cravados na mesma posição. Mais um recorde. Depois que ganhou relógio com cronômetro, pegou essa mania de dar valor e medida ao tempo. Menino estranho.
quarta-feira, 26 de março de 2008
quinta-feira, 20 de março de 2008
quarta-feira, 19 de março de 2008
microcrises : fixos e móveis
Ilustração de Mônica Oka
Era contra celulares como alguém é contra a pena de morte ou a liberação do aborto. Não tinha um e não ligava para os dos outros. Preferia os fixos aos móveis. Passou a vida cultivando raizes e dando adeus aos balões de gás. Quando flutuou em paixões, uma ou duas vezes, cuidou da medida segura dos fios, da firmeza dos nós e das amarras. Nunca passou dos limites. Nunca excedeu. Tampouco alcançou o amor, porque este estava sempre muito além do que poderia suportar.
sexta-feira, 14 de março de 2008
quinta-feira, 13 de março de 2008
quarta-feira, 12 de março de 2008
microcrises : todos os lados
Uma ilha, eu, cercado por mim mesmo a ponto de não mais me suportar. Até que você chegou e mudou tudo. Me resgatou do egoísmo dos que vivem só. Preencheu meus espaços com sua imensidão de olhares, carinhos e sorrisos. Mergulhei, então, no seu profundo azul de menino e, quando voltei, já era eu homem feito, cercado de amor por todos os lados.
segunda-feira, 10 de março de 2008
sexta-feira, 7 de março de 2008
quinta-feira, 6 de março de 2008
microcrises : o amor que nunca foi
Ilustração de Mônica Oka
O amor que nunca foi é aquele que não se completa. Fica como uma espinha de peixe atrevessada na garganta. Antigamente, as pessoas morriam desse jeito. Hoje não se vê isso nos jornais. Então, o amor que nunca foi sobrevive. Não é uma amor platônico. É real, existe, mas por algum motivo nunca chega lá. Um amor sem fôlego, confortável, indolente. Qualidade de amor das mas baixas, um amor de fim de feira. Sempre falta uma peça neste amor. É um amor que não se encaixa. O amor que nunca foi até parece amor, mas é só um quase.
quarta-feira, 5 de março de 2008
microcrises : vampiros
Suga tudo o que tenho de melhor. Inveja secreta que faz o mundo ao meu redor esvanecer. Vem com esse seu sorriso de quem não suporta ser odiada, e suga tudo o que tenho de mais puro. Se alimenta de mim, sem dar nada em troca, tampouco a vida eterna. Esta é a sua regra e a minha vingança: nunca conseguirá amar a nada nem a ninguém. E que viva assim para todo o sempre.
microcrises : capachos
O capacho gosta de ser capacho porque tem vocação. Conhece as solas dos tênis, chinelos e sapatos. Aceita a sujeira que vem das ruas, toda a merda que os homens carregam sob si próprios. Os capachos têm vidas medíocres de capacho e criam seus filhos para também serem capachos um dia. Eles aprendem a recolher migalhas, absorver urina, porém nunca se rebaixam porque já estão no chão. O lugar dos capachos.
microcrises : retaliação
O quanto consigo suportar a humilhação de ser menos do que já fui. Quando seus olhos passam sobre mim às avessas, transformando bom em ruim, amor em ódio, fé em leviandade. Dos pontos onde tracei meu destino, nada ficou. A não ser o desejo incontrolável de lançar mísseis teleguiados para te alcançarem, onde você estiver.
microcrises : a fada do medo
A fada do medo veio me visitar. Perguntou se eu era importante: rei, rainha, príncipe, princesa. Mas eu não era nada disso. Ela deu um ufa de alívio e fez cair os véus que lhe cobriam os seios. Seios mágicos. Então, a fada do medo me pegou pela mão e me guiou entre suas pernas.
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