Auto-retrato
Relógio que faz tic-tac não me deixa dormir. Olho para o teto e não vejo nada, o quarto é puro breu. Os hotéis deveriam colocar coisas interessantes nos tetos dos quartos: frases motivacionais, histórias em quadrinhos, anúncios de refrigerante. Muita gente acorda no meio da noite e fica olhando para o teto, procurando rachaduras, saliências, ovelhas e sombras. A escuridão vira matéria-prima, massa de modelar. Vultos que se movem sem se fixar em nenhuma forma. Uma cortina de fumaça preta, correndo de um lado para o outro do quarto. Quanto mais fixo a visão, menos vejo. O manto negro parece formado por partículas estranhas, uma textura etérea que vibra muito-muito rápido. Já tive medo disso aí, mas agora não tenho mais. Nunca me fizeram nada. É como essa mulher nua na minha cama, mergulhada em seus medos mais profundos. Eu olho para ela e consigo vê-la, mas será que ela existe mesmo ou fui eu que a inventei?
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